No blogue Sombra Verde, o Pedro publicou o seguinte texto, da autoria de Joaquim Vieira da Natividade, notável agrónomo e silvicultor:
«Uma das coisas que desfavoravelmente impressiona quem visita o nosso País é a incapacidade, aparente ou real, para, com inteligência e dignidade, aproveitarmos a árvore no urbanismo. Há quem fale, à boca pequena, de atávicos instintos "arboricidas", o que é desprimoroso, antipático, quando não degradante e sinistro, porque pode levar a crer que, apesar de baptizados e de nos termos por bons cristãos, de todo nos não libertámos ainda dos vícios e das tendências ingénitas, da infiel moirama. Para se contornarem os melindres, recorramos, não já ao neologismo "arborifobia", porventura também cruel, mas a eufemismos suaves e eruditos, como a dendroclastia, para traduzir o desamor de muitos dos nossos municípios pela árvore ornamental. Em boa verdade, por esse País fora, em tantas caricaturas de jardins a que se dá por vezes o nome de parques municipais, raro se nos depara uma árvore verdadeira, uma árvore autêntica, em todo o esplendor da majestosa arborescência; a árvore esbelta, digna, umbrosa e acolhedora, orgulho da Criação. Onde acaso existiu, poucas vezes escapou a brutais mutilações que a transformaram em grotesco "Quasímodo", sem o mínimo respeito pela dignidade do mundo vegetal.
Nos jardins, em lugar da árvore, plantou-se um reles "ersatz" uns arbustozitos burlescos, quase bobos arbóreos, tão inúteis que nem dão sombra a uma pessoa crescida: as tais falsas acácias de importação, maneirinhas, embonecadas, dengosas, com o ar, não de fazerem parte do jardim, mas de terem ali ido, em passeio, exibir ramagem, com a sua “permanente” manipulada no salão de qualquer "coiffeur" arborícola municipal. Compreende-se, num povo de fraca cultura, o desamor instintivo ao marmeleiro e ao castanheiro, árvores estas consideradas, desde remotos tempos, estimáveis ferramentas de educação e esteio dessa vida patriarcal, austera e digna, que os velhos, ao olharem o que vai pelo mundo, recordam com saudade e respeitoso enlevo. Já se não compreende, todavia, que se mutilem ou suprimam sem piedade o ulmeiro, o plátano, o umbroso freixo, o álamo esbelto, os nobres e austeros ciprestes, os cedros, os carvalhos e tantos outros soberbos gigantes vegetais que, estranhos, embora, muitos deles à nossa flora, encontraram na Lusitânia como que a sua segunda pátria.
Num país castigado por uma ardente canícula, dir-se-ia que temos horror à sombra; onde se pediam arvoredos frondosos e acolhedores, o ninho de um oásis a suavizar as inclemências do estio, fizemos terreiros imensos, cruamente ensoalheirados e inóspitos; quando tantos dos nossos monumentos lucrariam com uma nobre moldura vegetal que acarinhasse e aquecesse a frieza da pedra ou por vezes quebrasse, com a cortina da folhagem, a monotonia das grandes massas arquitectónicas, e num ou noutro caso escondesse até a sua real pobreza; quando a presença da árvore exaltaria o poder evocador e o poético encanto que emana de tantas ruínas, como acontece aos templos perdidos nos bosques sagrados da Grécia nós, pela calada, metodicamente, cinicamente, fomos degolando, mutilando, rapando tudo o que tivesse jeito de árvore para não prejudicar as “vistas”, tal como faria qualquer ricaço de letras gordas aos empecilhos que ofuscassem ou escondessem os arrebiques pelintras do seu "chalet".
O que haveria a dizer sobre as grandezas e as misérias da árvore nas cidades e nas vilas de Portugal!»
Joaquim Vieira Natividade (1899-1968)
NOTA: Nas minhas andanças em terras do Norte Alentejano tenho encontrado muitas em que as árvores são mutiladas ou abatidas sem qualquer justificação razoável. Mas, como em tudo, há excepções. As fotos que se seguem ilustram dois casos de autarquias que têm uma visão diferente sobre o modo de cuidar dos espaços verdes.
Alameda de plátanos no Jardim Municipal de Vila Viçosa, num dia de Dezembro de 2008
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