Gambozino é uma animal imaginário.
Andar aos gambozinos, significa andar à toa, vaguear, vadiar, vagabundear.
É isto que eu prendendo: vaguear por vários assuntos, vários lugares, ao correr da imaginação e da disposição.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Talhas

Uma talha de grandes dimensões, assinada por José Martins Centeno de Campo Maior. Fotografada num ferro-velho junto à Igreja do Senhor do Bom Fim, em Portalegre.

"Em relação aos utensílios de cerâmica, largamente difundidos em todo o país, a originalidade do Alentejo consiste em ter conservado, de uma herança mediterrânea, o vasilhame para líquidos, principalmente para vinho, preparado e guardado, no resto de Portugal, em pipas e tonéis de madeira. Neste sentido, é mais uma das expressões da civilização do barro própria desta região.
As vasilhas chamam-se talhas ou potes e podem ter dois metros e meio de altura, capacidade para mais de 2000 litros e pesar 700 ou 800 quilos. Aí se lança o mosto com o bagaço, para fermentação, mudado depois para talhas semelhantes. Em baixo têm um buraco onde se mete o pipo, por cima são cobertas com papel ou uma pele de cabra, como a dos odres. Pela forma fazem lembrar grandes dolia romanos, que são provavelmente os seus paradigmas. Talhas mais pequenas e sem orifício usam-se para o azeite e as azeitonas curtidas (de tão importante papel na alimentação alentejana).
(...) Trabalhando o barro diversamente dos oleiros, (o fabricante de talhas de São Pedro do Curval) não sabe manejar a roda e considera a sua arte diferente. As talhas são feitas em arcos; o barro, amassado em forma de pães, é batido com uma palmatória e espalmado de encontro à mão; quando um pedaço da talha adquire certa consistência, corta-se o bordo delgado a toda a volta e continua-se aumentando a obra para cima. Sem roda, é necessária grande perícia para que o bojo se desenvolva simétrico. O fabricante desenhou nas paredes caiadas da oficina o contorno de talhas para diversas capacidades; tem feito até 2000 ou 2200 litros; começa várias ao mesmo tempo e vai-as levantando aos poucos; podem levar uns quatro meses a acabar e um a enxugar. Depois são colocadas cuidadosamente num carrinho, em cima de palha, e vão a cozer a um grande forno, cuja fornalha é escavada no chão. Quando a talha está cozida é besuntada, por dentro, com pês derretido, que torna o barro impermeável."

Orlando Ribeiro, Geografia e Civilização. Livros Horizonte. P. 46-49.
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2ª foto: Talha fotografada no jardim anexo ao Museu Militar, em Elvas. Tem gravado o nome do fabricante e uma data: João Mouratto, 1821.

6 comentários:

Zé Camões disse...

Muito bonitas, acredite que se tivesse uma quinta teria lá umas poucas para enfeitar.
Cumprimentos e bom fim-de-semana.

Anónimo disse...

Realmente muito bonitos, pena é, que cada vez mais façam parte do espólio do povo espanhol. Tanto quanto sei este tipo de artigos são uma procura constante dos espanhóis, que os têm adquirido por verdadeiras pechinchas.

Júlia Galego disse...

Zé Camões e Latino
É, de facto, pena que se valorize tão pouco o nosso património. Campo Maior foi uma das últimas terras a ter fabricantes destas talhas. Segundo sei, a oficina do sr. Centeno funcionou ainda no século passado e o filho dele, sr. Manuel Centeno que vive na vila, ainda se lembra do pai a fabricar as talhas. Existem algumas no castelo e espero que sejam acauteladas porque as que estão em propriedades particulares têm sido muitas vezes alvo de roubos. Há também duas, salvo erro, no palácio de Olivã, meio enterradas, à entrada do Museu.
Os espanhóis, que sabem o valor destas coisas, vão aproveitando o desleixo das pessoas do lado de cá da fronteira. Veja-se o que se passa também com outro elemento do nosso património sobre o qual já escrevi: as aldrabas e batentes. Quando as portas são substituídas vão parar ao ferro-velho. E há quem aproveite e compre algumas que têm um grande interesse.
Cumprimentos aos dois e bom fim de semana

Anónimo disse...

Estes potes cerâmicos de dimensões descomunais, que designa como talhas, o mesmo nome que eu aprensdi na minha aldeia da Beira-Baixa, tinham de ser muito difíceis de fabricar. O fabrico artesanal de qualquer objecto é geralmente um processo bastante laborioso. Mas neste caso, devido às dificuldades técnicas derivadas da enorme dimensão das peças, devia ser uma coisa realmente complicada e morosa.
Uma vez fui com uns colegas e amigos almoçar na região de Estremoz (concretamente nos Arcos).
A comida não podia ser mais simples: entrecosto grelhado, acompanhado com abundante salada de agrião. Mas o local do repasto foi a própria adega, onde o dono procedia à "passagem" do néctar (o mesmo que acompanhou a refeição). Essa "passagem" consistia em retirar o vinho das enormes talhas onde tinha fermentado, sendo que o mesmo era filtrado através das próprias "borras", saindo lentamente por uma torneira (de madeira) colocada num orifício a esse fim destinado.
Devo acrescentar, apenas como apontamento, que não guardo, da viagem de regresso, uma recordação tão nítida como a da própria refeição (!).

Actualmente,as talhas em desuso são adquiridas por indivíduos que normalmente se dedicam ao negócio de velharias, geralmente ciganos. A propósito de uma referência sua, também me tem soado que nem todas são transaccionadas de forma normal, ou seja, quando o dono chega a tomar conhecimento da coisa, elas já lá não estão...

No Algarve, não há moradia que se preze que não tenha uma no pátio.

Os espanhóis também tinham talhas de barro, mas, como produziam ( e continuam a produzir, diga-se de passagem) demasiado vinho, inventaram uma espécie de talhas de cimento, de grande capacidade. Hoje estão obviamente em desuso, devido à radical modificação das técnicas de vinificação, agora totalmente industrializada. Por isso é vê-las, por toda a Castilla-La-Mancha, a servir de depósitos de água em quintas e junto de casas rurais.

Carlos Rebola disse...

Júlia

E assim o nosso património cultural, vai atravessando fronteiras.

A cobertura da talha de vinho com pele de cabra era para o proteger de poeiras e detritos, porque para proteger o vinho da oxidação (azedume) era despejado sobre o vinho um pouco de azeite cuja película evitava o contacto do oxigénio do ar com o vinho, conservando-lhe assim a qualidade.
Estas e outras coisas eram e são fruto da sabedoria popular, que não precisa de complicados cálculos de engenharia para obter os mesmos ou melhores resultados.
Se quisermos complicar o fabrico simples da talha é entregar o seu projecto a um engenheiro, se quisermos, uma talha bem construída e bonita, falamos com um oleiro que provavelmente nunca frequentou uma escola...
O meu respeito aos oleiros do nosso país.
Obrigado pelo post

Beijos
Carlos Rebola

Unknown disse...

Boa tarde. Sou um pequeno produtor de vinho de talha (há mais de 40 anos) e sou, igualmente um "apaixonado" pela tradição secular da minha terra - Cabeção. Tenho na minha adega meia dúzia de talhas, algumas de grande capacidade. Tenho duas recentemente adquiridas com o nome do fabricante -José Martins Centeno de Campo Maior. Gostaria de saber o tempo em que este Mestre trabalhou para ficar com uma ideia dos anos que têm. Tenho duas que, segundo indicação de conhecedor, terão à volta de 350 anos e ainda funcionam todos os anos.
Grato pela atenção