Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.
O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturbar-me,
E os edífícios, com as chaminés, e a turba,
Toldam-se duma cor monótona e londrina.
Batem os carros d'aluguer, ao fundo,
Levando à via férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!
(...)
(Cesário Verde, "O Sentimento dum Ocidental")
Estes versos, que iniciam o poema de Cesário Verde, retratam a cidade de Lisboa ao anoitecer, na segunda metade do século XIX. Também transmite o desejo de fugir à soturna cidade rumando para aquelas que,na altura, eram o centro do mundo cultural.
O mundo, para um intelectual do século XIX, estava confinado às fronteiras do continente europeu. Se Cesário Verde vivesse cem anos mais tarde, certamente que, no seu poema, não iria revelar um sentimento tão eurocêntrico. A evolução histórica verificada no século XX, deslocou os centros económicos, culturais e de poder para outros continentes. Hoje não mais faz sentido falar de eurocentrismo.
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