Gambozino é uma animal imaginário.
Andar aos gambozinos, significa andar à toa, vaguear, vadiar, vagabundear.
É isto que eu prendendo: vaguear por vários assuntos, vários lugares, ao correr da imaginação e da disposição.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Instrução primária

Das aulas da instrução primária, tenho a memória da recitação em coro das tabuadas e da conjugação dos tempos verbais, da enumeração das estações de caminho de ferro e respectivos apeadeiros, dos rios e seus afluentes, dos problemas das torneiras que corriam para encher tanques e outras coisas igualmente motivadoras. Às vezes tínhamos de decorar alguns poemas que, por mais belos que fossem, perdiam toda a virtude pela repetição mecânica que deles fazíamos:

Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim,
Será chuva, será gente?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim.
………
Quem quer ver a barca bela
Que se vai lançar ao mar?
Nossa Senhora vai nela
Os anjos vão a remar.
………

De notável, só me lembro do dia em que nevou, acontecimento raro no Alto Alentejo. Estávamos na aula e ficámos todas excitadas, querendo ir ver a neve. A nossa decepção foi enorme porque a professora não nos deixou. Quando saímos da escola havia apenas algumas poças de água e perdemos assim a possibilidade de ver, pela primeira vez nas nossas vidas, a neve de que havia fartas referências nas descrições e poemas do nosso livro de leitura.
Fiz exame no final da 3ª e da 4ª classes. O da 3ª classe correu tão bem que ganhei um prémio. Na 4ª classe as coisas não foram tão fáceis. Tudo ia bem até à prova oral. Nem o facto da minha mãe me ter aperaltado toda, com um vestido novo e uns brincos de ouro com uma pedrinha azul (a ocasião era dada a estas solenidades), me livrou de um valente susto. O professor que me examinava resolveu, a dada altura, perguntar-me quais eram as cidades do Alentejo. Lá fui dizendo: Portalegre, Elvas, Estremoz, Évora e Beja. O examinador, com ar muito sério, disse que não estavam todas. Fiquei muito aflita. Não me lembrava de mais nenhuma. O senhor professor lá adiantou: - Então, Setúbal?
Ora esta! Então não me tinha esquecido que Setúbal fazia parte da província do Alentejo? É que, na altura, a Estremadura ainda não tinha esticado para sul do Tejo. A minha memória traiu-me, mas, convenhamos, era já uma premonição…
Apesar de tudo, fui aprovada e concluí assim a instrução primária.

3 comentários:

Carlos Rebola disse...

Júlia
A história da neve demonstra bem, a preparação pedagógica e humana, da professora que não sou aproveitar aquela oportunidade única de ensinar algo com alegria... É muito provável que também ela sentisse a mesma frustração que ofereceu aos seus alunos…
Um beijo
Carlos Rebola

Júlia Galego disse...

Carlos, pode crer que, tanto quanto me lembro, era uma mulher muito frustrada.
Mas nunca lhe perdoei não nos deixar ver a neve...
Beijo
Júlia

Anónimo disse...

A sensação que me dá é que as professoras daquele tempo não passavam de umas frustradas que descarregavam nos mais fracos para se sentirem alguém! Cada vez me convenço mais de que fui uma sortuda com a minha professora. E tudo o que disseste sobre o exame e a matéria dada me fez voltar a esses tempos...que saudades!
Beijinho